quinta-feira, 12 de julho de 2012

Da multiculturalidade de Londres

Estava eu no outro dia a conversar com uma aluna estagiária do meu serviço que é de origem muçulmana. Usa véu, vive com os pais e é filha de pais muito tradicionalistas. Perguntava-me ela se tenho marido, respondi-lhe que não. Ou então se tenho namorado e estou a pensar casar. Respondi-lhe que nem sequer consta dos meus planos tal pensamento. Fez uma cara de horrorizada, como que a dizer que estou velha e pronta para ficar para tia.

Começou então a contar-me que ainda não tem marido - tem 24 anos, apenas mais um que eu! - mas que os pais já foram ao Paquistão escolher-lhe um marido e que vai conhece-lo no próximo mês. Acrescentou que está muito entusiasmada com isso porque quer sair de casa dos pais, mas antes tem de ter um marido para a proteger. Fiz um sorriso amarelo e disse que eu, portuguesinha da silva e não particularmente religiosa, não tenho esse problema, que vim para Londres sozinha, que os meus pais confiam em mim e estão felizes com o que eu quero fazer da minha vida, mesmo sem ter marido para me proteger (ou me controlar no caso de eu querer virar uma devassa). 

sábado, 2 de junho de 2012

Do país que me conquistou em três segundo

Esqueçamos Portugal pelo tempo suficiente para terminar de ler o próximo parágrafo.

O meu país de eleição é Inglaterra. Cheguei, vi-o e conquistou-me, tal e qual como um amor à primeira vista. Não lhe consigo fechar o coração, dizer que não gosto. Inglaterra é um óptimo país para se começar uma vida. As pessoas são liberais, apaixonadas e as amizades melting pot que se começam a fazer são deliciosas. Aqui pode-se acreditar nos sonhos, podemos ser quem quisermos, confiar nas gentes. Há leis, há castigos, há erros mas também há o poder da redenção. Há uma auto-estima notável e um amor próprio pelos seus e pelo que é seu de fazer inveja, ainda que esteja de coração aberto à novidade e ao que é diferente. Inglaterra é um grande país, é o meu país real para viver e vejo-me aqui (pelo menos) nos próximos anos, ainda que possa viver aqui lifetime long e ser feliz.


Mas Portugal é aquele que tem o meu coração. Porque é feito de abraços, reencontros, carinhos, tempo e alegria permanente. Onde não penso no trabalho, nem na casa para arrumar. Onde não há domingos à noite nem segundas-feiras. Onde o dia-a-dia não tira a magia às coisas. De onde sinto saudades todos os dias que passo no meu país real. 

Dos dois meses

Já se completaram os dois primeiros meses desde que vim para Londres. Que comecei a trabalhar aqui, que alarguei horizontes, ganhei novos amigos e uma vida completamente diferente. Já ganhei dois salários, daqueles de encher a alma. A casa que antes não era a minha agora já me parece familiar e acolhedora - ainda que estejamos a planear uma mudança para 'nossa' casa. Sinto-me mais crescida, melhor, mais eficiente e competente no meu trabalho. Sei mil vezes mais sobre cardiologia do que há dois meses atrás. Falo inglês todos os dias e elogiam-me a pronúncia. Cresci imenso, em todos os lados da minha vida. 

Hoje valorizo mais quem sou, quem está comigo. Dou mais importância às saudades, à família e aos amigos., mas também tenho a plena consciência de que tudo o que sonho está ao alcance da minha vontade. Se emigrar  para muitos é a réstia de esperança, para mim, como me disse ontem uma grande amiga, 'foi a melhor coisa que fizeste na tua vida'.

(um sunny sunday no Hyde Park)



quarta-feira, 23 de maio de 2012

Dos momentos maus

Existem momentos em que precisamos de uma metamorfose, de mudar.
Existem momentos em que somos corajosos para enfrentar o pior dos medos.
Existem momentos em que largamos tudo o que é seguro e tido como certo.
Existem momentos em que somos humildes e agradecemos o melhor que a vida nos deu.
Existem momentos em que desejamos ardentemente que os sonhos se cumpram.
Existem momentos em que nos repensamos e aceitamos que não estamos sempre certos.
Existem momentos em que pedimos desculpa pelas falhas e pelas fraquezas.
Existem momentos em que virámos a página e seguimos em frente.
Existem momentos em que renovamos a esperança.
Existem momentos em que vivemos em pleno e aproveitamos.
Existem momentos em que olhámos para trás e outros em que confiamos no que há de vir.
Existem momentos em que temos fé. Em nós, nos outros e em tudo o que de bom merecemos.

E depois existem momentos, como este. Em que o mundo treme debaixo dos nossos pés. E resta-nos apenas a fé e a esperança.

Força meu querido Zé Pedrinho, meu querido pequenino, tudo vai correr bem!

terça-feira, 22 de maio de 2012

Da que agora é a minha casa

A minha casa em Londres não é a casa da minha vida. Nem é a casa que sonhei ter quando vim para Londres. Mas é a minha casa. E as pessoas que vivem nela comigo já são um pouco a minha família. Porque já sabem tudo da minha vida e já começam a conhecer, ainda que ao de leve, os meus sonhos. E é por isto que nem a minha casa nem a família que tenho aqui merecem que me esqueçam deles. 

E um dia, quando morar na casa dos meus sonhos, com a família que me encha o coração e me ocupe por completo o coração, terei sempre na Poland House a doce recordação de onde comecei a minha vida. Por que não se esquece quem nos embala os sonos e nos acalenta os sonhos.

Dos dias em Portugal

Resumindo tudo numa conclusão simples: se algum dia tiver uma filha que seja igual a mim, vou arranjar uma carga de trabalhos. Ou então interno-a num colégio de freiras e está tudo arrumado.

domingo, 29 de abril de 2012

Do meu serviço de cardiologia

Cardiologia não é a minha área favorita para trabalhar. Já o sabia antes de me ser atribuído o serviço mas apercebi-me definitivamente que, apesar de ser enfermeira com gosto em qualquer sítio desde que haja pessoas para cuidar, a área de cardiologia não me apaixona da mesma forma como a pediatria ou os cuidados paliativos (dois extremos, quase antagonistas, eu sei, eu sei....). A acrescentar ao facto de não gostar muito da área, não a domino e não domino totalmente a língua em que tenho de me expressar, o que tudo juntinho e bem misturado, me cria ansiedade. 

Começamos há duas semanas nos serviços a trabalhar a sério, apesar de ainda sermos supranumerárias na primeira semana (deveríamos sê-lo durante quatro semanas mas estamos em tão short staff que nos largaram ao leões na segunda semana). A diferença entre os cuidados de enfermagem prestados aqui e os prestados em Portugal é enorme, o que mais uma vez foi um choque cultural (e técnico) difícil de digerir. Aqui aspectos essenciais do cuidar, como a promoção da independência e do autocuidado, são esquecidos em prole da medicação e de assuntos médicos que nos passariam totalmente ao lado em Portugal - exemplo, análises clínicas do doente. As rondas de medicação duram eternidades e são o processo mais desorganizado que já vi: uma ronda de medicação demora cerca de duas horas. Basicamente os enfermeiros aqui deixam de ter aquelas coisas de posicionar e coisas pesadas para terem que dar a medicação com atenção (tipo duas horas para a medicação das oito a.m). Como ainda sou nova no serviço, só fiz manhãs e tardes - só começarei a fazer noites e long days a partir do próximo horário, que se inicia a 13 de Maio. As patologias mais típicas do nosso serviço são as falências cardíacas, dor no peito, infartes do miocárdio, bloqueios cardíacos e doentes que realizaram angioplastia. São quase todos independentes, mas quando não o são estão realmente descompensados e very sick, como se diz aqui.

O problema é que aqui, embora não seja um trabalho muito físico e até haja talvez um dia por semana (numa boa semana) que é bastante tedioso, o caos instala-se facilmente porque são os enfermeiros que lidam com toda a burocracia: admissões com mais de dez páginas de formulários para preencher, faxes para enviar, contactar a farmácia, os GP's e as district nurses, marcar appointments com as enfermeiras especialistas e as reuniões multidisciplinares. É por esta falta de organização e por todos os registos serem feitos em papel que um serviço com doentes independentes pode transformar-se num autêntico circo, bastando para isso que se faça mais de uma admissão num curto período de tempo.

No que diz respeito à equipa, e incluindo aqui obviamente as minhas colegas portuguesas, só posso tecer os maiores elogios. São todos muito prestáveis, pacientes e o melhor é que há sempre chocolate no serviço, porque os nossos doentes são uns fofinhos que quando têm alta nos deixam cartões de obrigado e chocolates. Ontem, convidaram-nos para sairmos todos juntos, porque era o jantar de despedida da manager que saiu do serviço e que não chegamos a conhecer. Acabamos por não ir, porque fomos sair com outros enfermeiros portugueses que vieram antes de nós e que vivem no mesmo prédio. Não me arrependo de não ter ido, porque ainda não me sinto completamente à vontade, mas sinto que a equipa está contente com a nossa chegada e quer mesmo integrar-nos no seu meio. E isso é de certo modo reconfortante, quando ainda nos sentimos um pouco perdidas naquele ambiente.

Hoje faz um mês que cheguei a Inglaterra e na quarta-feira um mês que me tornei oficialmente enfermeira no Elizabeth ward - Cardiology no Whipps Cross University Hospital. A vida corre bem, o tempo passa rápido e dia 11 de Maio já volto por uma semana a Portugal. Ainda não temos rotinas criadas, não conseguimos estabelecer coisas certas e inimputáveis, não sabemos o dia de amanhã, mas sei que estou no sítio certo e, agora sim, sinto-me feliz profissionalmente, embora me façam falta agora coisas e pessoas que antes não dava valor porque sentia como certas.


Um mês, um mês inteirinho... Quem diria?

In days like this...


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Daquilo que nos faz crescer

Sempre vivi com os meus pais até me mudar para Londres. Mesmo nos tempos de faculdade, em que normalmente conquistamos a independência, estudei perto de casa e, portanto, continuei a morar com os meus pais. Vendo as coisas à distância, cresci pouco no que diz respeito a ser auto-suficiente e independente nesses tempos. Pelo mesmo motivo, fiquei perto da restante família e dos amigos que fui criando ao longo dos anos.

Para tudo tinha o pai e a mãe que ajudavam ou até faziam por mim. Quando não sabia ou receava ir sozinha, tinha sempre um amigo disponível. Nunca na vida tinha tratado sozinha de burocracias, de assuntos de finanças, rendas de casa, contratos, segurança social, água ou luz. Dos aspectos mais práticos, nunca tinha sentido a necessidade de limpar ou lavar a roupa. Eram aqueles assuntos que se resolviam na minha vida como por magia: se precisava, simplesmente estava lá.

E isto tornava-me ansiosa quando tinha de fazer algo importante por mim mesma: lidar com burocracias, com o banco, fazer uma viagem longa de carro sozinha... Mas, desde que cheguei, já andei sozinha por Stratford, fui abrir conta no banco, fui à descoberta sem saber bem por onde ia, tomei noção do que envolve viver sozinha e tratar de uma casa, partilhando-a com mais cinco pessoas. 

Na realidade, estou contente comigo mesma, porque me sinto a crescer de uma forma como nunca antes senti. Agora sou independente, responsável e finalmente uma adulta completa. Para ser feliz, faltam-me as minhas pessoas e consome-me, a cada dia, a saudade que aumenta. Se é fácil emigrar? Não, não é. Se o que descrevo parece um mar de rosas, posso afirmar certamente que não é. Os problemas e as dúvidas surgem em catadupa, as respostas nem sempre surgem, não é fácil, não é e ponto. Mas aguentamos-nos como podemos: afinal, estes são os primeiros dias do resto da nossa vida.


domingo, 8 de abril de 2012

Da Páscoa

Este ano é diferente. É igualmente a primeira de muitas das datas em que não estarei presente junto de mais um momento em família. E isto começa a maçar, a ideia de que a mudança é definitiva, que falharei as próximas Páscoas, os próximos Natais, os aniversários daqueles que me são mais queridos. E a certeza de que muitos desses momentos serão partilhados com desconhecidos que se tornarão quase uma família. 

Hoje é manhã de domingo de Páscoa. Aqui não há sol, nem cheiro a pão-de-ló, nem queijo da Serra, nem amêndoas. Não se ouvem foguetes, o compasso não toca o seu sino e as gentes ainda dormem. Há cheiro a rolo de carne assado, bolo de chocolate e pudim de croissant, para lembrarmos um pouco os cheiros familiares. Haverá uma garrafa de vinho maduro aberta sobre a mesa, sorrisos e partilha. Mas nada disso invalida o conforto de estar com aqueles que amamos.

Hoje o dia não será fácil. Mas é um dos revés que tenho de enfrentar para tentar ser feliz!

Um beijinho para todos, cheio de carinho. Boa Páscoa!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Das primeiras novidades de Londres

Hoje é o quarto dia em Stratford, East London. E, de uma forma geral, esquecendo os momentos cansativos, tudo tem corrido muito bem. E até agora nunca me arrependi um momento que fosse da decisão de vir.

Começando por Stratford, tudo é muito citadino, cheio de lojas que nos parecem estranhas e que ora são de quinquilharia ou restaurantes com ares manhosos. Estou a caricaturar um pouco sobre aquilo que nos parece à primeira vista se quisermos ser más-línguas porque, no fundo, estamos muito bem localizados no que diz respeito as bens essenciais, lojas, restauração e divertimento. Só para contextualizar um pouco, tenho à minha porta o maior centro comercial da Europa, Westefield Center. As casas parecem sujas e velhas por fora mas, das experiências que tive - a minha casa e o hospital, por exemplo - são modernas e arrumadas no interior. As pessoas tão ainda me parecem um pouco estranhas mas riem-se para nós na rua e, tirando um funcionário do aeroporto, foram todas simpáticas e muito faladoras. Contudo, aqui vê-se um melting pot enorme, com estilos, roupas e maneiras de agir para todos os gostos e feitios, ainda que nesta área predomine uma comunidade muçulmana bastante grande, que se faz notar na rua por muitas mulheres com cabelos tapados. Além disso, vêem-se igualmente muitos indianos, com um sotaque difícil de entender, mas bastante simpáticos e prestáveis. Vêem-se também muitos Príncipes Harrys, homens altos, atléticos, ruivos, charmosos e com um sorrisinho bonito. A continuar assim, Inglaterra tem futuro.

Do alojamento, posso dizer que tivemos sorte. A casa é grande, tem seis quartos, duas casas de banho e uma cozinha com uma mesa de jantar desengonçada e dois cadeirões-sofás individuais pequenitos. Não me posso queixar particularmente, porque fiquei com um dos dois maiores quartos: tem imenso espaço (até demais para as poucas coisas que pude trazer comigo), uma mesinha e uma cómoda, um armário embutido, uma cama que não é muito ao meu gosto, uma secretária com cadeira e prateleira para arrumação e janelas enormes, por onde entra o sol e de onde se vê toda a rua. Temos ainda internet, aquele bem que se tornou essencial na minha vida, quase tanto como comida e roupa, para matar as saudades que se vão sentindo, especialmente nalguns momentos.

Por sua vez, do grupo que veio, a sorte não me podia ter dado melhores colegas de casa. A Cristina e a Patrícia, as outras duas meninas, já me são caras conhecidas e familiares desde a faculdade. Para já temos-nos dado muito bem e até nos acho bastante compatíveis na maioria das coisas que dizem respeito a viver sobre o mesmo tecto: alimentação, economia, limpeza, privacidade, aquilo a que não damos valor quando vivemos vinte e três numa casa com os  nossos pais, as pessoas que conhecemos e que nos conhecem desde sempre. Os outros dois quartos foram ocupados por dois rapazes de Braga, o Gil e o Pedro. O tempo ainda é curto, a convivência também mas para já parecem ser pessoas cinco estrelas, calmas e tranquilas, que gostam de gozar a vida, o que me agrada bastante. Por isso, acho que me saiu a sorte grande no que diz respeito aos roommates.

Quanto ao trabalho a sério, ainda não começou. Já nos foram apresentadas as chefes, fizemos a consulta de saúde ocupacional - conto-vos a história noutro post - e já fomos medidas para serem feitas as fardas. As fardas são o único aspecto que me desagradou do hospital até agora, porque são feias de morrer - pelo menos sei que se não tiver sucesso em enfermagem posso usar aquela farda para ser empregada na cantina de uma escola em Portugal. De resto parece-me um sítio moderno, limpo, com bom ar e onde vou gostar de trabalhar. O serviço também nos foi atribuído, ainda que a Dee - a responsável pelo nosso recrutamento através da KCIR - já nos tivesse dito: cardiologia. Ora, bom para currículo, interessante e dinâmico, mas vou ser obrigada a rever e a ampliar largamente os meus conhecimentos, porque é uma área que não domino totalmente.

Das saudades, ainda não se fazem sentir em plena força, porque ainda é como se estivesse de férias em Londres - também só passaram quatro dias, ainda que a sensação de mudança e ausência permanente seja uma coisa que me atormenta desde que estava em Portugal. E é naqueles momentos em que falo com os meus pais religiosamente todas as noites que percebo o quão importantes eles são na minha vida e fico com um apertozinho no coração, porque não sei quando é que lhes vou poder voltar a dar um abraço e um beijinho, dizer-lhes que os amo e que são eles os pilares da minha vida. Mas eles estão a aguentar-se bem e eu, para já, acho que também!

Para já, é isto que me lembro! São tantas novidades e tantas coisas diferentes que se torna difícil descrever tudo. Mas desde já uma certeza: é a maior e mais difícil aventura da minha vida, sem dúvida, mas é também um dos melhores passos que já dei. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Da greve de 22 de Março de 2012

Concordo com o ideal grevista em si. É uma forma de o cidadão comum protestar contra o que está errado, contra o sistema, contra a desigualdade. É válida, está prevista na lei e não nos esqueçamos dos combates travados para que tivéssemos direito a um direito. Contudo, não concordo com a greve porque sim. Primeiro, porque não é neste momento forma de ajudar o país (e neste momento não estou propriamente imbuída de sentimentos patrióticos) e depois porque esta greve - e a maioria delas, encetadas pelos sindicatos - é mais uma que apenas serve os propósitos de alguns, protegidos pelo próprio sistema que dizem lutar contra. Ainda assim, respeito quem faz uso de um direito que é seu: o de fazer greve. O que não compreendo, mais o que desprezo é o comportamento da PSP perante indignados, tendo-se tornado cada vez mais frequente e mais gravoso quanto mais manifestações se fazem.

O que se assistiu ontem em Lisboa, foi uma selvagaria cometida por cães que morderam os verdadeiros donos. Atacaram selvaticamente, em matilha, protegidos, batendo em tudo e em todos. Houve sangue e provas do abuso - afinal, vivemos numa geração que vive à distância do clique. A frio, tentando explicar tamanha violência, dizem que os jornalistas se devem identificar e colocar sempre do lado da barreira policial, sob o risco de serem também eles agredidos. Seria, então, plenamente aceite uma tentativa de agressão a uma simples cidadã que fotografasse um acontecimento público.

As imagens do que vi ontem, pensei eu, identificariam um qualquer país do mundo onde a democracia ainda não foi implantada e onde se sentem ventos de primavera. Mas não, foi em Portugal, em Lisboa, no coração de um país civilizado e que se leva em pinças para não fragilizar opiniões estrangeiras. O que aconteceu foi simples: a PSP, escondida por trás de um sentimento de impunidade, de quem tudo pode e faz sem consequências, mostrou-se mais uma vez inculta no que toca ao civismo e não soube lidar com a situação de outra forma, que a não ser a lei da bastonada perante uma multidão indefesa.

Queixem-se depois que lhes falta papel, tintas, carros e que pagam as fardas, que o povinho, que vos paga essas mesmas merdas e a quem a PSP devia proteger, ao invés de agredir, vai ficar solidário com as vossas misérias. Mas não se julgue esta prepotência de hoje ou de agora. Não se encare a brutalidade da polícia como um resquício da crise. Apenas poderá ficar surpreendido com esta reacção quem nunca foi à bola.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Das mentes iluminadas que aparecem na TV

Se antes a televisão era um elemento pouco utilizado por mim cá em casa, desde que estou between jobs, vejo muito mais televisão do que anteriormente, porque o tempo custa a passar quando não se tem nada que fazer ou, melhor dizendo, quando não nos apetece fazer as mil e uma coisas que temos pendentes. Hoje de manhã, depois de ter voltado com a minha mãe de uma consulta no Hospital de Santo António, liguei a televisão e, na TVI - porque ainda vejo essas coisas senhor, porquê? - estava a falar um psicólogo que não me lembro o nome, defendendo a teoria que as gerações actuais deveriam tratar os pais por você, porque tratar por tu é uma forma de desrespeito.

Vamos lá então: compreendo que os que agora são pais tratem os seus próprios pais por você. A educação era diferente, as gerações também. Compreendo até que alguns pais de agora queiram que os filhos os tratem por você, afinal ser pai e mãe também são papéis e comportamentos aprendidos por observação social e, se eles foram educados assim enquanto crianças, é normal que exijam o mesmo aos filhos.
Agora apontar este facto como uma forma de desrespeito, supostamente sustentado num artigo científico que não foi apresentado e cujos resultados desconheço, é meter a colher em educação alheia, é fomentar crendices e parece-me apenas quadradice cognitiva. Curto e grosso e em bom português, pareceu-me o típico caga tacos, figura tão típica do panorama televisivo português

Se existem problemas de educação nas famílias actuais? Claro que existem. O mercado laboral tornou-se num mundo selvático, onde apenas sobrevivem os melhores e os mais empenhados, o que retira disponibilidade e tempo que podia e devia ser dedicado à família. A crise financeira arrasa actualmente as família, porque como dizem todos ralham, e ninguém tem razão, gerando ela própria uma crise de valores. O próprio modelo de família, onde os pais são a figura de autoridade, desvaneceu-se, porque é cool ser amigo do filho e não o educador que se deve ser. Mas isto não pode nem deve ser generalizado a toda uma geração de pais e filhos e muito menos o respeito pode ser reduzido ao uso de uma terminologia verbal.

Na minha humilde opinião, não acho que venha mal ao mundo que os pais e filhos se tratem por você ou por tu. Depende de cada dinâmica familiar, da educação que os pais tiveram e da abertura que têm com os filhos. Na minha família, todos se tratam por tu. Da avó de 78 anos, que é a mais velha, ao neto mais novo, que tem dois anos. Tios, sobrinhos, avós, primos, todos nos tratámos por tu e, se a diferença de idade não for muita, pelo nome próprio. Pelos vistos, somos todos uns mal-educados, marginais a ser tidos em conta. 



quarta-feira, 14 de março de 2012

Carta aberta do Sr. Primeiro Ministro

Exmo. Sr. Primeiro Ministro Passos Coelho e, já agora, Exmo. Sr. Secretário de Estado do Desporto e da Juventude Alexandre Mestre,

Ou outros tantos nomes conhecidos da nossa praça pública a quem pode ser endereçada esta humilde carta aberta.

Começo por apresentar-me, tal como me diz a boa-educação que os meus pais sempre me incutiram. O meu nome é Andreia Soares, tenho vinte e três anos e nasci em Gondomar, perto do Porto. Sou filha única de uma família de classe média - daquelas que trabalham arduamente, pagam as suas contas, poupam dinheiro durante o ano para uma extravagância e que hoje os senhores teimam em dizimar com impostos -, filha de pais trabalhadores em que tudo o que conseguiram na vida foi fruto de muitas horas de trabalho árduo, daquele que massacra o corpo e cansa a alma. Certamente, não saberão do que estou eu para aqui a falar.

Na escola, sempre fui boa aluna e correspondi às expectativas que todos iam criando para mim. Conclui o ensino secundário com uma média de 18,1 valores e, em Setembro de 2006, então com dezassete anos, entrei na Escola Superior de Enfermagem do Porto com uma média de 17,9 valores, tendo como específicas Biologia e Química. Escolhi o meu curso de forma consciente: para além de ser aquele que mais me entusiasmava, li estudos acerca da sua importância no futuro, sustentados em argumentos como a demografia da população portuguesa, o drama do envelhecimento e as questões da morbilidade aumentada, da dotação dos hospitais e dos serviços de saúde bem como da necessidade de cuidados. Falei com enfermeiros, procurei saber qual o melhor curriculum escolar e fiz a minha escolha, ciente de que foi acertada.

Terminei o meu curso em Julho de 2010, com média de dezasseis valores. Apesar de tudo, aproveitei bem os meus anos de estudante. Contrabalançando tudo, consegui ser boémia e responsável ao mesmo tempo: sai, namorei, vivi, cometi excessos mas acabei o curso no tempo previsto, com boas notas, sem nunca ter deixado uma cadeira para trás, num CLE onde apenas três alunos conseguiram uma média melhor que a minha. Afinal estudar era a minha profissão e não podia falhar perante uns pais que me ofereceram esta oportunidade sem exigirem mais do que empenho e competência.

Uns meses depois de ter terminado o curso, conquistei o meu primeiro emprego. Precário, como quase todos os que são oferecidos por estes dias. Mal pago, mas exigente. Trabalhei e dei tudo de mim, mas nada disso me valeu o prolongamento do vínculo profissional. Não me rendi, continuei a procurar e, enquanto não   recebia nenhuma resposta positiva na minha área, trabalhei como operadora de call-center. Não baixei os braços, não me envergonhei e continuei a trabalhar no que ia aparecendo e a poupar o máximo que conseguia. Um tempo depois, após entregar tantos currículos que lhes perdi a conta e receber meia dúzia de respostas, sempre negativas, consegui um novo emprego na minha área. Desta vez, a proposta era melhorzinha, mas as perspectivas as mesmas: um emprego rotineiro, que não me permitia crescer, em que tinha de seguir regras que sabia profundamente erradas e dizer sempre que sim sob pena que a porta fosse a serventia da casa.

Pelo meio, paguei do mesmo bolso congressos, seminários e formações, o CAP, workshops ou tudo aquilo que me parecesse ter interesse ou utilidade. Participei num projecto de investigação na faculdade, onde eu e outra colega minha, licenciada no mesmo ano, éramos as únicas sem remuneração. Guardei para depois o sonho de uma pós-graduação em cuidados paliativos não fosse o diabo tecê-las, o emprego ir pelo cano abaixo e deixar eu os meus pais a braços com uma prestação referente à minha educação.

Ainda assim, sinto-me grata pelas experiências que tive e pelas oportunidades que me deram e que abandonei recentemente, cansada e frustrada, em troca de outra proposta mais aliciante. Uma proposta fantástica, que me dará condições para evoluir, que me permitirá a tão desejada independência financeira mas que me pede em troca o coração e a pátria. Inicio dia 29 de Março de 2012 funções como enfermeira no Whipps Cross University Hospital em Stratford, Londres.

Não pensem Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado que emigrar é um processo tão fácil e leviano como as palavras que saíram das vossas bocas quando mandaram os jovens emigrar, muito pelo contrário. Ainda que façamos de conta que não existe penosidade mental e emocional num processo de emigração, ainda não podia sequer candidatar-me a um emprego quando já tinha gasto grande parte do dinheiro que tão custosamente tinha amealhado. Entre documentos, traduções, certificações, fotocópias, notários, CTT e inscrição na Nursing and Midwifery Council foram-se mais de quinhentos euros. Depois, as exigências burocráticas, algumas incompreensíveis entre dois países da UE, como o passaporte, pagos a peso de ouro. E tudo isto é um processo solitário, demasiadamente até para quem possua fracos recursos.
E não se pense que termina por aqui. Depois da entrevista, da proposta e do contrato assinado, sobram as despesas da viagem, do alojamento, da alimentação, de um mês inteiro num país estrangeiro, a contar com a ajuda de familiares esforçados, à espera da tão ansiada independência financeira. Tantas vezes pensei o quão sortuda sou por ter uma família que, ainda que com algum custo, me pode apoiar e ajudar a procurar uma vida melhor, já que, nestas condições, sem ninguém que os ajude e apoie, muitos não o poderão fazer.


Senhor Primeiro-Ministro e Senhor Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, acabo aqui a minha resenha pessoal. Aos vinte e três anos, na expectativa de ter uma vida melhor, de conseguir exercer a actividade profissional para a qual fui treinada, cansada de lutar contra a maré, contra um regime corrupto e a cair de velho, vou-me embora, na certeza de que, por muito que o meu coração o peça, dificilmente voltarei para o meu país. Um país que apoia compadrios, sustenta os corruptos e maltrata os seus melhores, tratando-os como leprosos que têm de ser afastados. Talvez tudo tivesse sido mais fácil se ainda pequena me tivesse inscrito numa qualquer juventude, formatada ao som de uma doutrina podre e que leva invariavelmente ao mesmo caminho. Talvez fosse fácil se tivesse pais ricos ou uma cunha jeitosa. Talvez assim Portugal fosse a minha zona de conforto.

Mas não é nada assim. Sinto-me escorraçada do meu país, tratada como excedente, como alguém que não vale a pena. Sou forçada a abandonar o sítio onde cresci, a pôr em espera as amizades que fui criando e a partir, amputada de parte da minha vida e de todas as referências que criei. Vou triste e até um pouco amargurada, mas sei esses sentimentos serão vento de pouca dura quando vir reconhecido o meu trabalho. Portugal apenas poderá contar comigo nas férias e para renovar documentos. Quando eu tiver condições, os meus pais se reformarem e se o quiserem, farei questão de os levar comigo para viverem lá. Para com Portugal não terei nenhuma misericórdia e não contribuirei com mais um cêntimo sequer para este país acorrentado a uma classe política incompetente e inútil, que assiste impávido e sereno à sangria dos seus jovens e que quer levantar-se apoiado nas mesmas muletas que o fizeram cair e partir as duas pernas.

Obrigada Sr. Passos Coelho. Obrigada Sr. Secretário de Estado. Obrigada a quase três gerações de políticos que em cerca de trinta anos fizeram de Portugal um país sem futuro. Certamente que sair enquanto é tempo é a solução mais acertada e, por isso agradeço os vossos conselhos. Por muito que eu viva, fica a certeza de que não serão esquecidos.

Do fazer as malas

De tanto a minha mãe falar disso - e não te esqueças de levar aquilo, e vais levar isto? - tive de me render e começar a dedicar-me à missão impossível de enfiar vinte e três anos de vida numa mala de setenta e um centímetros que pode pesar no máximo vinte quilos.

Ora, quem me conhece sabe que, apesar de ser uma gaija assim descontraída no que toca a vestuário e moda e coisas afins, não me contento com dois pares de sapatos e meia dúzia de blusas.Além disso, por cá e à custa de invernos pouco sisudos, não gosto assim muito de casacos grossos, botas ou polares, itens essenciais para quem vai viver para Londres!

Do básico e de cabeça, sei que tenho de levar: um par de botas, umas sapatilhas, dois e três sabrinas, calças, camisolas, blusas, casacos, roupa interior, malas, lenços, acessórios, pijamas, toalhas de banho, artigos de higiene maquilhagem, adaptadores eléctricos, pc portátil, máquina fotográfica, fotos e sei lá mais o quê, que a minha mãe fará questão de me lembrar quando estiver a fazer a mala!


Ah, e tenho de marcar também uma viagem a Portugal para Maio para vir buscar tudo o resto, senão corro o risco de ter de empenhar o carro para pagar o excesso de bagagem!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Definitivo.

Desde que aceitei a proposta de trabalho que me foi feita por um hospital londrino de renome que sabia que ia chegar o dia em que deixaria a minha casa, a minha família, os meus amigos, o sítio onde nasci e cresci e partiria para uma nova aventura, a maior de sempre, a mais difícil, a mais corajosa, mas também também provavelmente a mais compensadora de todas.
Contudo, ainda estava o mês de Janeiro quase no início quando assinei o papel que mudaria a minha vida. Começaram então os primeiros preparativos: a documentação, a papelada, o contrato, a mala. E a minha cabeça divagava entre esses assuntos sem ter tomado consciência da seriedade do assunto. 

Hoje foi o dia definitivo, aquele em que por muitas indecisões, por muitas dúvidas, já não há volta atrás. A inscrição na NMC está concluída, o voo está marcado, a offer job letter assinada e menos de duas semanas para se cumprir mais uma etapa do destino: Londres.


terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O bom filho à casa torna.

Lucho não vem vestir a pele de santo milagreiro. Nem sequer é uma contratação prioritária. Não é ele quem vai salvar a época. Aliás, contrariando a euforia dos adeptos que se agarraram a esta réstia de esperança, nem sequer tenho muitas expectativas para a restante época, face à idade e à baixa forma física.

Mas no meio de tanta raiva, de tanta tristeza, de uma equipa partida em pedaços, de um técnico arrogante e incompetente, de uma direcção que parece ter perdido o rumo, de muitos erros, é bom ver chegar alguém que sente o FC Porto como a sua casa, como o seu clube e que veste esta camisola com orgulho, independentemente das notas com que possam acenar. Talvez alguns possam aprender algo com ele...

Sê bem vindo El Comandante à casa que sempre foi tua!

[será que Lucho está a ver alguma luz ao fundo do túnel? 
Talvez a resposta esteja nas suas costas. Curiosa imagem, sem dúvida...]



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Morder a língua

Mordo a língua de cada vez que penso no que escrevi aqui. No fundo, estava tomada pela fúria por causa do AVB, como também tinha descrito aqui, e não tinha motivos para não acreditar piamente na opção do Presidente Pinto da Costa. Mas se arrependimento matasse, eu já estava fria, dura e apodrecida depois de ter escrito aquelas palavras. Já por outra vez pus o dedo na ferida, mas num dia em que a fúria é mais do que a sentida aquando do abandono do treinador que supostamente estava na sua cadeira de sonho, tenho de voltar a demonstrar o meu descontentamento, perante um Presidente desaparecido em combate, e uma SAD inexistente. Aliás, onde estás tu, Pinto da Costa? Para mim, há uma outra escolha a fazer: ou o Presidente está pronto para a guerra ou a idade não perdoa. E se a idade não perdoar, ninguém levará a mal que se ausente e para sempre será recordado como o maior e melhor presidente de um clube português. O que não pode acontecer, é deixarmos o barco à deriva à mercê de incompetentes que parecem nem saber o que é um leme.

A equipa que enverga a camisola do meu FC Porto está apático, desmotivado, descrente, sem vontade e sem força, contrariando uma massa adepta que ainda acredita, que ainda enche estádios, que ainda quer ser campeã. Começando do início e pelo início, em pontos para ser mais fácil.
  • Helton não foi capitão. Segundo informações oficiais, que não me convencem de que não são mais do que desculpas de mau pagador, Rolando assumiu o papel porque o guarda-redes não pode sair da área para protestar ou arrisca-se a ver cartão amarelo. Helton é guarda-redes há mais de dois anos, o tão conhecido habilidoso Paixão já apitou jogos do FC Porto e nada mudou. Mais, e o frango do primeiro golo, o ar abatido do Helton durante o jogo? Não há fumo sem fogo, costuma dizer-se. Moutinho, Rodriguez... Será que agora foi a vez de Helton?
  • Os jogadores que nos custaram os olhos da cara continuam no banco e não se auspicia que joguem mais nos próximos tempos. Dá-me especial aperto no coração e na carteira - porque temos ali 18M a desvalorizar - ver o esforçado mas nada mais Maicon ganhar a titularidade a Danilo.
  • Kléber. 90 minutos a jogar com dez. Nada mais a acrescentar. O miúdo júnior, pelo que já pude ver nalguns jogos que assisti no Olival, é trinta vezes melhor que ele. E se não há cão nem gato, em nada perdíamos em tentar caçar com a cria.
Foi uma noite para esquecer. Porque se notou claramente que, por muito que tentem desmentir, existe um balneário dividido. Porque temos um suposto líder que, perante uma equipa que se afunda e perante as adversidades externas, não tem soluções e se limita a observar a tragédia, para depois apontar o dedo, ilibando-se de qualquer responsabilidade, numa atitude arrogante que me indigna enquanto associada do FC Porto.

Hoje, os portistas estão tristes. Porque está mais difícil, porque não gosto de ver estes jogadores enxovalhados, porque quero sempre que o meu clube ganhe e zango-me quando perde mas consigo facilmente perdoar-lhe uma derrota esforçada. Mas o que me parte a alma e o coração é saber que, se continuarmos com aquela merda que temos no lugar de treinador, desistir é a palavra que mais ordena. 

Vítor Pereira é incompetente, arrogante e percebe tanto de futebol como eu percebo de física quântica. Mas ontem provou também que é um covarde, um fraco, um desistente. Características que não combinam com aqueles jogadores - já esquecemos o jogo para a Taça na Luz? - nem com a grandeza do meu clube.