quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pessoas

Existem aquelas pessoas com quem partilhamos muitos momentos, de quem gostamos e nos afeiçoamos, a quem temos até de agradecer muitas coisas boas, mas ainda assim sentimos que lhes falta algo que as faça distinguir aos nossos no meio de uma multidão. A empatia, o fluir das conversas, a sensação da compreensão e do atendimento são apenas acendalhas mornas que não deixam o nosso coração sentir frio, sem que o aqueçam realmente.

Depois existem as outras. Aquelas que conhecemos e, no momento que se segue, nos aquecem a alma como um vulcão. Que, de imediato, trazem tudo. E é como se sempre estivessem estado lá.

Até que o rio nos separe.

«Não sou nenhum sábio. Não finjo que tenho as respostas para todos os segredos do universo, mas há algo que sei: uns vivem bem, outros morrem bem, mas poucos amam bem. Porquê? Não sei e não posso responder a isso. Todos vivemos, todos morremos - não há forma de escaparmos, mas é o que está no meio que importa. Amar bem... é outra coisa.»
Charles Martin

[nem pela metade e já me prendeu]

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

(quase) segredo


Giulia y Los Tellarini - Barcelona

(self-note: nunca ponhas uma música em formato .mp3 no blogue. Lembra-te que este post foi um exercício aterrador de paciência e persistência)

Tartamudez

Há uma semana, quis escrever alguma coisa sobre o que se tinha passado naquele dia. E escrevi. E reli. Reli novamente. E apaguei. Reescrevi então. Voltei a ler. E apaguei.

Não porque o discurso fosse escasso. Com facilidade escreveria com facilidade acerca da felicidade que sinto ao manter comigo todos aqueles que valorizo. Ou então da alegria que tenho por nunca ter tido uma perda realmente significativa. Mais, poderia falar de como o coração se desfaz em mil pedaços quando as nossas palavras doces e os nossos abraços de consolo não aliviam a dor que um amigo sente.

E eu escrevi. Sobre isto e mais ainda, que agora a memória não me ajuda a recordar. Mas apaguei, calando os pensamentos. Porque, simplesmente, nas palavras não cabia a realidade do que sinto face a isto. E, por isso, hoje retomei o assunto, não para falar dele, apenas com uma certeza.
Eu não sei lidar com isto.

Do ser(mos)

Aconteceu com naturalidade. Com a calma de um mar sossegado, de ondas pequenas que molham gentilmente os pés de uma criança. Não foi pressentido. Ou talvez o tenha sido, sem que lhe dessem o valor que hoje é seu. Surgiu assim. Como o coração, que bate acelerado, sem se importar de como bate. Forte. Como uma artéria que pulsa o sangue, dando vida. Inequívoco. Como uma luz negra aos olhos de um cego. Murmurado. Como um tinido que se instala e nos apura o ouvido. Táctil. Como se fosse áspero, crespo, acidentado, irregular, e também suave, mimalho, ternurento.

Critérios, não houve. Não há. Não são tidos em conta a cor da pele, o peso ou a altura. Desengane-se quem acredita que interessam somente os bons. Ou apenas os de maus hábitos. Não se aceitam respostas e certezas e as previsões ainda não são bem-vindas. As alegrias de nada valem, se não caminharem com as tristezas. A seriedade é enfadonha, e a estupidez desprezível. Desconhecem-se as virtudes, desprezam-se os defeitos.

Convençam-se aqueles que consideram que, ainda assim, não foram escolhidos criteriosamente estas pessoas. Escolheu-se o brilho contestador do olhar e a matiz inquietante da retórica. Valorizaram-se aqueles que fazem oscilar, a si e a cada um, entre o louco e o santo. Que não dão respostas e dilatam as dúvidas. Que mostram a cara, a medo, mas confirmam a transparência da alma nos gestos. Que não dispensam colo e ombro, sem antes oferecer uma gargalhada. Que são metade loucura, metade seriedade. Que já abandonaram a inocência das crianças, mas ainda não têm a sisudez de um adulto. Perduraram aqueles que querem ser e percebem que a normalidade é apenas uma cegueira pateta e estéril.

domingo, 9 de agosto de 2009

As saudades, essas são reais e não são só minhas. As saudades têm a forma de mesas de esplanadas, reflectem-se num colo alto com gelo derretido dentro, num carro velho impregnado de vestígios de crimes cometidos, num café esquecido que arrefeceu na chávena e no prato do dia partilhado numa tasca. As saudades têm número de porta e nome de rua. E contra isso, nada.