quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Existem datas que não são apenas dias.

E a data do meu aniversário é uma mordomia da qual não abdico. E, consciente do prazer que sinto pela celebração, comovo-me pelas manifestações de ternura, carinho e afecto presentes o ano inteiro mas que nesse dia se enaltecem de forma natural.

No dia anterior a uma noite de mesa cheia, embaraços e sorrisos cúmplices, outra noite de mesa cheia no meu aniversário. E a 24 a minha mãe escreveu-me uma coisa bonita onde dizia que eu, apesar de crescida agora, aos seus olhos seria sempre a mesma menina que gostava de ver as formigas sentadas no degrau da soleira ou que corria atrás do patinho que tão teimosamente tive de trazer para casa. A acompanhar as letras, uma imagem com cerca de 20 anos. Uma miúda pequena de mãos nos bolsos com olhar desafiador para quem fotografava. 

Reparo que ainda hoje ando muitas vezes de mãos nos bolsos. Lá já não encontro lápis de cera ou pastilhas elásticas. Não estão lá a cana de pesca feita pelo meu avó e muito menos os rebuçados surripiados ao armário da sala da avó. Mas sei que, cada vez que ponho as mãos nos bolsos, continua lá guardada a certeza de que todos os dias podem ser bons. 

Na noite dos meus anos, venho à janela e, enquanto fumo um cigarro e abraço-me do frio, não posso deixar de pensar que a vida pouco me tem sido madrasta. Em vinte e dois anos, tenho dias de sol e dias de chuva, dores e arrepios, gargalhadas e sorrisos. Tenho música, letras, cartas e postais. Tenho perguntas e respostas, desejos e concretizações. Tenho amigos mais amigos, família. Tenho tempo e paciência e esperança e saudade. Fiz anos e apaguei as velas duas vezes. Só que desta vez mais nada tive para desejar. 

[Um obrigada muito sentido a quem comigo atravessou as noites de 23, 24 e 25. Não podiam ter sidos outros a lá estarem. Mais uma vez, mais umas noites, mais momentos partilhados. Felizes e embaraçosos, inesquecíveis]

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Há coisas.

Há coisas que só encontram espaço no imaginário. Que só acontecem aos outros. Que não cremos reais nem possíveis. Que são verdades meias contadas, porque se querem mentiras. Que nos deixam como se a alma se separasse do corpo. Que nos deixam cansados sem sentir o cansaço. Que nos deixam adormecidos apesar dos nossos olhos estarem o mais abertos possíveis. Que nos toldam a visão mas que tornam os outros sentidos mais atentos. Que nos fazem rir e choramingar, sem sabermos definir o sentimento. Que nos fazem tão bem. Que sabem tão bem partilhar em segredos. Há coisas assim, daquelas. Que nos oferecem os momentos da nossa vida. 

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Férias. 2010

As férias foram cá dentro, num lugar onde apenas se vislumbravam resquícios de modernidade. E eu, como sempre, dos píncaros do meu pessimismo citadino, fui reticente, muito. Apesar disso, foram dias aprazíveis, com praias e castelos, barragens, banhos de rio, montes, lágrimas e sorrisos, companhias. Foram muitos dias sem telemóveis, sem internet e sem chuva na televisão. Dias em que o tempo se media pelo sol e as horas se contavam pelas badaladas do sino. Almoços e jantares com outro sabor, seja pela água da fonte para a mesa, pelos legumes apanhados imediatamente antes de irem para o tacho, pelo pão acabado de sair do forno, seja pelas alheiras feitas pelas mãos carinhosas e preocupadas de uma avó. Momentos de silêncio em que a consciência está à tona ou então de calor e generosidade com as pessoas da aldeia. Se calhar, voltava lá novamente.

A arte de cozinhar

Li no outro dia, num blogue qualquer (que não sei mesmo qual foi, salvo referência) que existem dois tipos de pessoas: as pessoas microondas e as pessoas cozido à portuguesa.
As primeiras são o fast-food, aquelas que rapidamente me servem com o que pensam elas quero comer. Comida quente, pronto a server, que está ali à disposição, que comemos sem que recordemos aquele jantar. As outras, as cozido à portuguesa, eram aquelas que davam trabalho, no cozinhado e na comida. Exigiam tempo, atenção e muitas colheres de paciência. Têm um processo de cozedura demorado, mas no final conseguem deixar um paladar inesquecível na boca de quem prova.

É assim. É exactamente assim. Eu atrevo-me a dizer que é assim com tudo na vida.