quarta-feira, 14 de março de 2012

Carta aberta do Sr. Primeiro Ministro

Exmo. Sr. Primeiro Ministro Passos Coelho e, já agora, Exmo. Sr. Secretário de Estado do Desporto e da Juventude Alexandre Mestre,

Ou outros tantos nomes conhecidos da nossa praça pública a quem pode ser endereçada esta humilde carta aberta.

Começo por apresentar-me, tal como me diz a boa-educação que os meus pais sempre me incutiram. O meu nome é Andreia Soares, tenho vinte e três anos e nasci em Gondomar, perto do Porto. Sou filha única de uma família de classe média - daquelas que trabalham arduamente, pagam as suas contas, poupam dinheiro durante o ano para uma extravagância e que hoje os senhores teimam em dizimar com impostos -, filha de pais trabalhadores em que tudo o que conseguiram na vida foi fruto de muitas horas de trabalho árduo, daquele que massacra o corpo e cansa a alma. Certamente, não saberão do que estou eu para aqui a falar.

Na escola, sempre fui boa aluna e correspondi às expectativas que todos iam criando para mim. Conclui o ensino secundário com uma média de 18,1 valores e, em Setembro de 2006, então com dezassete anos, entrei na Escola Superior de Enfermagem do Porto com uma média de 17,9 valores, tendo como específicas Biologia e Química. Escolhi o meu curso de forma consciente: para além de ser aquele que mais me entusiasmava, li estudos acerca da sua importância no futuro, sustentados em argumentos como a demografia da população portuguesa, o drama do envelhecimento e as questões da morbilidade aumentada, da dotação dos hospitais e dos serviços de saúde bem como da necessidade de cuidados. Falei com enfermeiros, procurei saber qual o melhor curriculum escolar e fiz a minha escolha, ciente de que foi acertada.

Terminei o meu curso em Julho de 2010, com média de dezasseis valores. Apesar de tudo, aproveitei bem os meus anos de estudante. Contrabalançando tudo, consegui ser boémia e responsável ao mesmo tempo: sai, namorei, vivi, cometi excessos mas acabei o curso no tempo previsto, com boas notas, sem nunca ter deixado uma cadeira para trás, num CLE onde apenas três alunos conseguiram uma média melhor que a minha. Afinal estudar era a minha profissão e não podia falhar perante uns pais que me ofereceram esta oportunidade sem exigirem mais do que empenho e competência.

Uns meses depois de ter terminado o curso, conquistei o meu primeiro emprego. Precário, como quase todos os que são oferecidos por estes dias. Mal pago, mas exigente. Trabalhei e dei tudo de mim, mas nada disso me valeu o prolongamento do vínculo profissional. Não me rendi, continuei a procurar e, enquanto não   recebia nenhuma resposta positiva na minha área, trabalhei como operadora de call-center. Não baixei os braços, não me envergonhei e continuei a trabalhar no que ia aparecendo e a poupar o máximo que conseguia. Um tempo depois, após entregar tantos currículos que lhes perdi a conta e receber meia dúzia de respostas, sempre negativas, consegui um novo emprego na minha área. Desta vez, a proposta era melhorzinha, mas as perspectivas as mesmas: um emprego rotineiro, que não me permitia crescer, em que tinha de seguir regras que sabia profundamente erradas e dizer sempre que sim sob pena que a porta fosse a serventia da casa.

Pelo meio, paguei do mesmo bolso congressos, seminários e formações, o CAP, workshops ou tudo aquilo que me parecesse ter interesse ou utilidade. Participei num projecto de investigação na faculdade, onde eu e outra colega minha, licenciada no mesmo ano, éramos as únicas sem remuneração. Guardei para depois o sonho de uma pós-graduação em cuidados paliativos não fosse o diabo tecê-las, o emprego ir pelo cano abaixo e deixar eu os meus pais a braços com uma prestação referente à minha educação.

Ainda assim, sinto-me grata pelas experiências que tive e pelas oportunidades que me deram e que abandonei recentemente, cansada e frustrada, em troca de outra proposta mais aliciante. Uma proposta fantástica, que me dará condições para evoluir, que me permitirá a tão desejada independência financeira mas que me pede em troca o coração e a pátria. Inicio dia 29 de Março de 2012 funções como enfermeira no Whipps Cross University Hospital em Stratford, Londres.

Não pensem Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado que emigrar é um processo tão fácil e leviano como as palavras que saíram das vossas bocas quando mandaram os jovens emigrar, muito pelo contrário. Ainda que façamos de conta que não existe penosidade mental e emocional num processo de emigração, ainda não podia sequer candidatar-me a um emprego quando já tinha gasto grande parte do dinheiro que tão custosamente tinha amealhado. Entre documentos, traduções, certificações, fotocópias, notários, CTT e inscrição na Nursing and Midwifery Council foram-se mais de quinhentos euros. Depois, as exigências burocráticas, algumas incompreensíveis entre dois países da UE, como o passaporte, pagos a peso de ouro. E tudo isto é um processo solitário, demasiadamente até para quem possua fracos recursos.
E não se pense que termina por aqui. Depois da entrevista, da proposta e do contrato assinado, sobram as despesas da viagem, do alojamento, da alimentação, de um mês inteiro num país estrangeiro, a contar com a ajuda de familiares esforçados, à espera da tão ansiada independência financeira. Tantas vezes pensei o quão sortuda sou por ter uma família que, ainda que com algum custo, me pode apoiar e ajudar a procurar uma vida melhor, já que, nestas condições, sem ninguém que os ajude e apoie, muitos não o poderão fazer.


Senhor Primeiro-Ministro e Senhor Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, acabo aqui a minha resenha pessoal. Aos vinte e três anos, na expectativa de ter uma vida melhor, de conseguir exercer a actividade profissional para a qual fui treinada, cansada de lutar contra a maré, contra um regime corrupto e a cair de velho, vou-me embora, na certeza de que, por muito que o meu coração o peça, dificilmente voltarei para o meu país. Um país que apoia compadrios, sustenta os corruptos e maltrata os seus melhores, tratando-os como leprosos que têm de ser afastados. Talvez tudo tivesse sido mais fácil se ainda pequena me tivesse inscrito numa qualquer juventude, formatada ao som de uma doutrina podre e que leva invariavelmente ao mesmo caminho. Talvez fosse fácil se tivesse pais ricos ou uma cunha jeitosa. Talvez assim Portugal fosse a minha zona de conforto.

Mas não é nada assim. Sinto-me escorraçada do meu país, tratada como excedente, como alguém que não vale a pena. Sou forçada a abandonar o sítio onde cresci, a pôr em espera as amizades que fui criando e a partir, amputada de parte da minha vida e de todas as referências que criei. Vou triste e até um pouco amargurada, mas sei esses sentimentos serão vento de pouca dura quando vir reconhecido o meu trabalho. Portugal apenas poderá contar comigo nas férias e para renovar documentos. Quando eu tiver condições, os meus pais se reformarem e se o quiserem, farei questão de os levar comigo para viverem lá. Para com Portugal não terei nenhuma misericórdia e não contribuirei com mais um cêntimo sequer para este país acorrentado a uma classe política incompetente e inútil, que assiste impávido e sereno à sangria dos seus jovens e que quer levantar-se apoiado nas mesmas muletas que o fizeram cair e partir as duas pernas.

Obrigada Sr. Passos Coelho. Obrigada Sr. Secretário de Estado. Obrigada a quase três gerações de políticos que em cerca de trinta anos fizeram de Portugal um país sem futuro. Certamente que sair enquanto é tempo é a solução mais acertada e, por isso agradeço os vossos conselhos. Por muito que eu viva, fica a certeza de que não serão esquecidos.

3 comentários:

starUK disse...

Dé enviaste mesmo esta carta?
Se não enviaste devias porque está óptima, é mesmo isto que nós que temos que emigrar sentimos...

disse...

Não enviei, porque achei que ia ser ou mais um papel para o lixo ou mais um email para o spam. Achei que sinceramente não valia a pena.

Mas olha, Portugal é que perde por deixar sair tantos e tão bons profissionais, gente com formação e com valor.

E não me arrependo nada em ter vindo nesta aventura! :)

starUK disse...

Pois és capaz de ter razão, provavelmente ninguém iria ler a carta.
Portugal perde mesmo daqui uns anos não vai ter jovens qualificados para trabalhar vão estar todos no estrangeiro...