domingo, 29 de abril de 2012

Do meu serviço de cardiologia

Cardiologia não é a minha área favorita para trabalhar. Já o sabia antes de me ser atribuído o serviço mas apercebi-me definitivamente que, apesar de ser enfermeira com gosto em qualquer sítio desde que haja pessoas para cuidar, a área de cardiologia não me apaixona da mesma forma como a pediatria ou os cuidados paliativos (dois extremos, quase antagonistas, eu sei, eu sei....). A acrescentar ao facto de não gostar muito da área, não a domino e não domino totalmente a língua em que tenho de me expressar, o que tudo juntinho e bem misturado, me cria ansiedade. 

Começamos há duas semanas nos serviços a trabalhar a sério, apesar de ainda sermos supranumerárias na primeira semana (deveríamos sê-lo durante quatro semanas mas estamos em tão short staff que nos largaram ao leões na segunda semana). A diferença entre os cuidados de enfermagem prestados aqui e os prestados em Portugal é enorme, o que mais uma vez foi um choque cultural (e técnico) difícil de digerir. Aqui aspectos essenciais do cuidar, como a promoção da independência e do autocuidado, são esquecidos em prole da medicação e de assuntos médicos que nos passariam totalmente ao lado em Portugal - exemplo, análises clínicas do doente. As rondas de medicação duram eternidades e são o processo mais desorganizado que já vi: uma ronda de medicação demora cerca de duas horas. Basicamente os enfermeiros aqui deixam de ter aquelas coisas de posicionar e coisas pesadas para terem que dar a medicação com atenção (tipo duas horas para a medicação das oito a.m). Como ainda sou nova no serviço, só fiz manhãs e tardes - só começarei a fazer noites e long days a partir do próximo horário, que se inicia a 13 de Maio. As patologias mais típicas do nosso serviço são as falências cardíacas, dor no peito, infartes do miocárdio, bloqueios cardíacos e doentes que realizaram angioplastia. São quase todos independentes, mas quando não o são estão realmente descompensados e very sick, como se diz aqui.

O problema é que aqui, embora não seja um trabalho muito físico e até haja talvez um dia por semana (numa boa semana) que é bastante tedioso, o caos instala-se facilmente porque são os enfermeiros que lidam com toda a burocracia: admissões com mais de dez páginas de formulários para preencher, faxes para enviar, contactar a farmácia, os GP's e as district nurses, marcar appointments com as enfermeiras especialistas e as reuniões multidisciplinares. É por esta falta de organização e por todos os registos serem feitos em papel que um serviço com doentes independentes pode transformar-se num autêntico circo, bastando para isso que se faça mais de uma admissão num curto período de tempo.

No que diz respeito à equipa, e incluindo aqui obviamente as minhas colegas portuguesas, só posso tecer os maiores elogios. São todos muito prestáveis, pacientes e o melhor é que há sempre chocolate no serviço, porque os nossos doentes são uns fofinhos que quando têm alta nos deixam cartões de obrigado e chocolates. Ontem, convidaram-nos para sairmos todos juntos, porque era o jantar de despedida da manager que saiu do serviço e que não chegamos a conhecer. Acabamos por não ir, porque fomos sair com outros enfermeiros portugueses que vieram antes de nós e que vivem no mesmo prédio. Não me arrependo de não ter ido, porque ainda não me sinto completamente à vontade, mas sinto que a equipa está contente com a nossa chegada e quer mesmo integrar-nos no seu meio. E isso é de certo modo reconfortante, quando ainda nos sentimos um pouco perdidas naquele ambiente.

Hoje faz um mês que cheguei a Inglaterra e na quarta-feira um mês que me tornei oficialmente enfermeira no Elizabeth ward - Cardiology no Whipps Cross University Hospital. A vida corre bem, o tempo passa rápido e dia 11 de Maio já volto por uma semana a Portugal. Ainda não temos rotinas criadas, não conseguimos estabelecer coisas certas e inimputáveis, não sabemos o dia de amanhã, mas sei que estou no sítio certo e, agora sim, sinto-me feliz profissionalmente, embora me façam falta agora coisas e pessoas que antes não dava valor porque sentia como certas.


Um mês, um mês inteirinho... Quem diria?

1 comentário:

DeepGirl disse...

Quando se muda, e se vai mentalizado, é sempre para melhor. Quanto mais não seja porque estamos a evoluir no nosso crescimento. Basta sempre ver o melhor e tudo corre bem.

Fico imensamente feliz, Dê :).

Beijinho suiço :D.