sexta-feira, 23 de março de 2012

Da greve de 22 de Março de 2012

Concordo com o ideal grevista em si. É uma forma de o cidadão comum protestar contra o que está errado, contra o sistema, contra a desigualdade. É válida, está prevista na lei e não nos esqueçamos dos combates travados para que tivéssemos direito a um direito. Contudo, não concordo com a greve porque sim. Primeiro, porque não é neste momento forma de ajudar o país (e neste momento não estou propriamente imbuída de sentimentos patrióticos) e depois porque esta greve - e a maioria delas, encetadas pelos sindicatos - é mais uma que apenas serve os propósitos de alguns, protegidos pelo próprio sistema que dizem lutar contra. Ainda assim, respeito quem faz uso de um direito que é seu: o de fazer greve. O que não compreendo, mais o que desprezo é o comportamento da PSP perante indignados, tendo-se tornado cada vez mais frequente e mais gravoso quanto mais manifestações se fazem.

O que se assistiu ontem em Lisboa, foi uma selvagaria cometida por cães que morderam os verdadeiros donos. Atacaram selvaticamente, em matilha, protegidos, batendo em tudo e em todos. Houve sangue e provas do abuso - afinal, vivemos numa geração que vive à distância do clique. A frio, tentando explicar tamanha violência, dizem que os jornalistas se devem identificar e colocar sempre do lado da barreira policial, sob o risco de serem também eles agredidos. Seria, então, plenamente aceite uma tentativa de agressão a uma simples cidadã que fotografasse um acontecimento público.

As imagens do que vi ontem, pensei eu, identificariam um qualquer país do mundo onde a democracia ainda não foi implantada e onde se sentem ventos de primavera. Mas não, foi em Portugal, em Lisboa, no coração de um país civilizado e que se leva em pinças para não fragilizar opiniões estrangeiras. O que aconteceu foi simples: a PSP, escondida por trás de um sentimento de impunidade, de quem tudo pode e faz sem consequências, mostrou-se mais uma vez inculta no que toca ao civismo e não soube lidar com a situação de outra forma, que a não ser a lei da bastonada perante uma multidão indefesa.

Queixem-se depois que lhes falta papel, tintas, carros e que pagam as fardas, que o povinho, que vos paga essas mesmas merdas e a quem a PSP devia proteger, ao invés de agredir, vai ficar solidário com as vossas misérias. Mas não se julgue esta prepotência de hoje ou de agora. Não se encare a brutalidade da polícia como um resquício da crise. Apenas poderá ficar surpreendido com esta reacção quem nunca foi à bola.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Das mentes iluminadas que aparecem na TV

Se antes a televisão era um elemento pouco utilizado por mim cá em casa, desde que estou between jobs, vejo muito mais televisão do que anteriormente, porque o tempo custa a passar quando não se tem nada que fazer ou, melhor dizendo, quando não nos apetece fazer as mil e uma coisas que temos pendentes. Hoje de manhã, depois de ter voltado com a minha mãe de uma consulta no Hospital de Santo António, liguei a televisão e, na TVI - porque ainda vejo essas coisas senhor, porquê? - estava a falar um psicólogo que não me lembro o nome, defendendo a teoria que as gerações actuais deveriam tratar os pais por você, porque tratar por tu é uma forma de desrespeito.

Vamos lá então: compreendo que os que agora são pais tratem os seus próprios pais por você. A educação era diferente, as gerações também. Compreendo até que alguns pais de agora queiram que os filhos os tratem por você, afinal ser pai e mãe também são papéis e comportamentos aprendidos por observação social e, se eles foram educados assim enquanto crianças, é normal que exijam o mesmo aos filhos.
Agora apontar este facto como uma forma de desrespeito, supostamente sustentado num artigo científico que não foi apresentado e cujos resultados desconheço, é meter a colher em educação alheia, é fomentar crendices e parece-me apenas quadradice cognitiva. Curto e grosso e em bom português, pareceu-me o típico caga tacos, figura tão típica do panorama televisivo português

Se existem problemas de educação nas famílias actuais? Claro que existem. O mercado laboral tornou-se num mundo selvático, onde apenas sobrevivem os melhores e os mais empenhados, o que retira disponibilidade e tempo que podia e devia ser dedicado à família. A crise financeira arrasa actualmente as família, porque como dizem todos ralham, e ninguém tem razão, gerando ela própria uma crise de valores. O próprio modelo de família, onde os pais são a figura de autoridade, desvaneceu-se, porque é cool ser amigo do filho e não o educador que se deve ser. Mas isto não pode nem deve ser generalizado a toda uma geração de pais e filhos e muito menos o respeito pode ser reduzido ao uso de uma terminologia verbal.

Na minha humilde opinião, não acho que venha mal ao mundo que os pais e filhos se tratem por você ou por tu. Depende de cada dinâmica familiar, da educação que os pais tiveram e da abertura que têm com os filhos. Na minha família, todos se tratam por tu. Da avó de 78 anos, que é a mais velha, ao neto mais novo, que tem dois anos. Tios, sobrinhos, avós, primos, todos nos tratámos por tu e, se a diferença de idade não for muita, pelo nome próprio. Pelos vistos, somos todos uns mal-educados, marginais a ser tidos em conta. 



quarta-feira, 14 de março de 2012

Carta aberta do Sr. Primeiro Ministro

Exmo. Sr. Primeiro Ministro Passos Coelho e, já agora, Exmo. Sr. Secretário de Estado do Desporto e da Juventude Alexandre Mestre,

Ou outros tantos nomes conhecidos da nossa praça pública a quem pode ser endereçada esta humilde carta aberta.

Começo por apresentar-me, tal como me diz a boa-educação que os meus pais sempre me incutiram. O meu nome é Andreia Soares, tenho vinte e três anos e nasci em Gondomar, perto do Porto. Sou filha única de uma família de classe média - daquelas que trabalham arduamente, pagam as suas contas, poupam dinheiro durante o ano para uma extravagância e que hoje os senhores teimam em dizimar com impostos -, filha de pais trabalhadores em que tudo o que conseguiram na vida foi fruto de muitas horas de trabalho árduo, daquele que massacra o corpo e cansa a alma. Certamente, não saberão do que estou eu para aqui a falar.

Na escola, sempre fui boa aluna e correspondi às expectativas que todos iam criando para mim. Conclui o ensino secundário com uma média de 18,1 valores e, em Setembro de 2006, então com dezassete anos, entrei na Escola Superior de Enfermagem do Porto com uma média de 17,9 valores, tendo como específicas Biologia e Química. Escolhi o meu curso de forma consciente: para além de ser aquele que mais me entusiasmava, li estudos acerca da sua importância no futuro, sustentados em argumentos como a demografia da população portuguesa, o drama do envelhecimento e as questões da morbilidade aumentada, da dotação dos hospitais e dos serviços de saúde bem como da necessidade de cuidados. Falei com enfermeiros, procurei saber qual o melhor curriculum escolar e fiz a minha escolha, ciente de que foi acertada.

Terminei o meu curso em Julho de 2010, com média de dezasseis valores. Apesar de tudo, aproveitei bem os meus anos de estudante. Contrabalançando tudo, consegui ser boémia e responsável ao mesmo tempo: sai, namorei, vivi, cometi excessos mas acabei o curso no tempo previsto, com boas notas, sem nunca ter deixado uma cadeira para trás, num CLE onde apenas três alunos conseguiram uma média melhor que a minha. Afinal estudar era a minha profissão e não podia falhar perante uns pais que me ofereceram esta oportunidade sem exigirem mais do que empenho e competência.

Uns meses depois de ter terminado o curso, conquistei o meu primeiro emprego. Precário, como quase todos os que são oferecidos por estes dias. Mal pago, mas exigente. Trabalhei e dei tudo de mim, mas nada disso me valeu o prolongamento do vínculo profissional. Não me rendi, continuei a procurar e, enquanto não   recebia nenhuma resposta positiva na minha área, trabalhei como operadora de call-center. Não baixei os braços, não me envergonhei e continuei a trabalhar no que ia aparecendo e a poupar o máximo que conseguia. Um tempo depois, após entregar tantos currículos que lhes perdi a conta e receber meia dúzia de respostas, sempre negativas, consegui um novo emprego na minha área. Desta vez, a proposta era melhorzinha, mas as perspectivas as mesmas: um emprego rotineiro, que não me permitia crescer, em que tinha de seguir regras que sabia profundamente erradas e dizer sempre que sim sob pena que a porta fosse a serventia da casa.

Pelo meio, paguei do mesmo bolso congressos, seminários e formações, o CAP, workshops ou tudo aquilo que me parecesse ter interesse ou utilidade. Participei num projecto de investigação na faculdade, onde eu e outra colega minha, licenciada no mesmo ano, éramos as únicas sem remuneração. Guardei para depois o sonho de uma pós-graduação em cuidados paliativos não fosse o diabo tecê-las, o emprego ir pelo cano abaixo e deixar eu os meus pais a braços com uma prestação referente à minha educação.

Ainda assim, sinto-me grata pelas experiências que tive e pelas oportunidades que me deram e que abandonei recentemente, cansada e frustrada, em troca de outra proposta mais aliciante. Uma proposta fantástica, que me dará condições para evoluir, que me permitirá a tão desejada independência financeira mas que me pede em troca o coração e a pátria. Inicio dia 29 de Março de 2012 funções como enfermeira no Whipps Cross University Hospital em Stratford, Londres.

Não pensem Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado que emigrar é um processo tão fácil e leviano como as palavras que saíram das vossas bocas quando mandaram os jovens emigrar, muito pelo contrário. Ainda que façamos de conta que não existe penosidade mental e emocional num processo de emigração, ainda não podia sequer candidatar-me a um emprego quando já tinha gasto grande parte do dinheiro que tão custosamente tinha amealhado. Entre documentos, traduções, certificações, fotocópias, notários, CTT e inscrição na Nursing and Midwifery Council foram-se mais de quinhentos euros. Depois, as exigências burocráticas, algumas incompreensíveis entre dois países da UE, como o passaporte, pagos a peso de ouro. E tudo isto é um processo solitário, demasiadamente até para quem possua fracos recursos.
E não se pense que termina por aqui. Depois da entrevista, da proposta e do contrato assinado, sobram as despesas da viagem, do alojamento, da alimentação, de um mês inteiro num país estrangeiro, a contar com a ajuda de familiares esforçados, à espera da tão ansiada independência financeira. Tantas vezes pensei o quão sortuda sou por ter uma família que, ainda que com algum custo, me pode apoiar e ajudar a procurar uma vida melhor, já que, nestas condições, sem ninguém que os ajude e apoie, muitos não o poderão fazer.


Senhor Primeiro-Ministro e Senhor Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, acabo aqui a minha resenha pessoal. Aos vinte e três anos, na expectativa de ter uma vida melhor, de conseguir exercer a actividade profissional para a qual fui treinada, cansada de lutar contra a maré, contra um regime corrupto e a cair de velho, vou-me embora, na certeza de que, por muito que o meu coração o peça, dificilmente voltarei para o meu país. Um país que apoia compadrios, sustenta os corruptos e maltrata os seus melhores, tratando-os como leprosos que têm de ser afastados. Talvez tudo tivesse sido mais fácil se ainda pequena me tivesse inscrito numa qualquer juventude, formatada ao som de uma doutrina podre e que leva invariavelmente ao mesmo caminho. Talvez fosse fácil se tivesse pais ricos ou uma cunha jeitosa. Talvez assim Portugal fosse a minha zona de conforto.

Mas não é nada assim. Sinto-me escorraçada do meu país, tratada como excedente, como alguém que não vale a pena. Sou forçada a abandonar o sítio onde cresci, a pôr em espera as amizades que fui criando e a partir, amputada de parte da minha vida e de todas as referências que criei. Vou triste e até um pouco amargurada, mas sei esses sentimentos serão vento de pouca dura quando vir reconhecido o meu trabalho. Portugal apenas poderá contar comigo nas férias e para renovar documentos. Quando eu tiver condições, os meus pais se reformarem e se o quiserem, farei questão de os levar comigo para viverem lá. Para com Portugal não terei nenhuma misericórdia e não contribuirei com mais um cêntimo sequer para este país acorrentado a uma classe política incompetente e inútil, que assiste impávido e sereno à sangria dos seus jovens e que quer levantar-se apoiado nas mesmas muletas que o fizeram cair e partir as duas pernas.

Obrigada Sr. Passos Coelho. Obrigada Sr. Secretário de Estado. Obrigada a quase três gerações de políticos que em cerca de trinta anos fizeram de Portugal um país sem futuro. Certamente que sair enquanto é tempo é a solução mais acertada e, por isso agradeço os vossos conselhos. Por muito que eu viva, fica a certeza de que não serão esquecidos.

Do fazer as malas

De tanto a minha mãe falar disso - e não te esqueças de levar aquilo, e vais levar isto? - tive de me render e começar a dedicar-me à missão impossível de enfiar vinte e três anos de vida numa mala de setenta e um centímetros que pode pesar no máximo vinte quilos.

Ora, quem me conhece sabe que, apesar de ser uma gaija assim descontraída no que toca a vestuário e moda e coisas afins, não me contento com dois pares de sapatos e meia dúzia de blusas.Além disso, por cá e à custa de invernos pouco sisudos, não gosto assim muito de casacos grossos, botas ou polares, itens essenciais para quem vai viver para Londres!

Do básico e de cabeça, sei que tenho de levar: um par de botas, umas sapatilhas, dois e três sabrinas, calças, camisolas, blusas, casacos, roupa interior, malas, lenços, acessórios, pijamas, toalhas de banho, artigos de higiene maquilhagem, adaptadores eléctricos, pc portátil, máquina fotográfica, fotos e sei lá mais o quê, que a minha mãe fará questão de me lembrar quando estiver a fazer a mala!


Ah, e tenho de marcar também uma viagem a Portugal para Maio para vir buscar tudo o resto, senão corro o risco de ter de empenhar o carro para pagar o excesso de bagagem!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Definitivo.

Desde que aceitei a proposta de trabalho que me foi feita por um hospital londrino de renome que sabia que ia chegar o dia em que deixaria a minha casa, a minha família, os meus amigos, o sítio onde nasci e cresci e partiria para uma nova aventura, a maior de sempre, a mais difícil, a mais corajosa, mas também também provavelmente a mais compensadora de todas.
Contudo, ainda estava o mês de Janeiro quase no início quando assinei o papel que mudaria a minha vida. Começaram então os primeiros preparativos: a documentação, a papelada, o contrato, a mala. E a minha cabeça divagava entre esses assuntos sem ter tomado consciência da seriedade do assunto. 

Hoje foi o dia definitivo, aquele em que por muitas indecisões, por muitas dúvidas, já não há volta atrás. A inscrição na NMC está concluída, o voo está marcado, a offer job letter assinada e menos de duas semanas para se cumprir mais uma etapa do destino: Londres.