quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Do ser(mos)

Aconteceu com naturalidade. Com a calma de um mar sossegado, de ondas pequenas que molham gentilmente os pés de uma criança. Não foi pressentido. Ou talvez o tenha sido, sem que lhe dessem o valor que hoje é seu. Surgiu assim. Como o coração, que bate acelerado, sem se importar de como bate. Forte. Como uma artéria que pulsa o sangue, dando vida. Inequívoco. Como uma luz negra aos olhos de um cego. Murmurado. Como um tinido que se instala e nos apura o ouvido. Táctil. Como se fosse áspero, crespo, acidentado, irregular, e também suave, mimalho, ternurento.

Critérios, não houve. Não há. Não são tidos em conta a cor da pele, o peso ou a altura. Desengane-se quem acredita que interessam somente os bons. Ou apenas os de maus hábitos. Não se aceitam respostas e certezas e as previsões ainda não são bem-vindas. As alegrias de nada valem, se não caminharem com as tristezas. A seriedade é enfadonha, e a estupidez desprezível. Desconhecem-se as virtudes, desprezam-se os defeitos.

Convençam-se aqueles que consideram que, ainda assim, não foram escolhidos criteriosamente estas pessoas. Escolheu-se o brilho contestador do olhar e a matiz inquietante da retórica. Valorizaram-se aqueles que fazem oscilar, a si e a cada um, entre o louco e o santo. Que não dão respostas e dilatam as dúvidas. Que mostram a cara, a medo, mas confirmam a transparência da alma nos gestos. Que não dispensam colo e ombro, sem antes oferecer uma gargalhada. Que são metade loucura, metade seriedade. Que já abandonaram a inocência das crianças, mas ainda não têm a sisudez de um adulto. Perduraram aqueles que querem ser e percebem que a normalidade é apenas uma cegueira pateta e estéril.

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