quinta-feira, 2 de julho de 2009

Pretensão

Os telhados daquela cidade nunca lhe tinham parecido tão desalinhados. Era admirável a curva perfeita do jorro de água e a forma como uma gota se desfazia em mil quando se encontrava com outra. A noite estava límpida, sem vento e o mundo baloiçava certezas como um cigarro entre os dedos. Ela pensava nele como num estranho, sem nome. Nunca lhe vira o bilhete de identidade. Nunca lhe mexera nos bolsos à procura de um cigarro ou de um isqueiro. Nunca combinaram um encontro. Nunca partilharam o futuro.

Quando se partilha uma cama, já se está a partilhar tudo o que é possível partilhar. E as verdadeiras camas são os corpos que abraçámos.

Camas em quartos de hotel. Pensões de qualidade duvidosa. Residenciais. Camas de areia na praia. Camas no chã, no sofá, no tapete. E um coração, seguro entre duas mãos, para que não andasse à toa. Passou no café do costume, mas não entrou.

- Engana-se quem diz que ama com todo o seu coração.
- Queres um cigarro?
- Não quero que te apaixones por mim.
- És a pessoa mais pretensiosa que conheço.

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