segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Do que enche a alma

Estava uma noite enluarada e quente. Daquelas vestidas de melancolia, como as que só existem em versos de poeta e no nosso Porto estudante. Entrei lentamente naquele espaço, tão cheio de tudo. E quando galguei a curva daquela esquina, vi um mar de gente de negro, envolvido por uma mancha de luz suave e fixa, a deixar que os meus olhos recortassem nitidamente todas as figuras envoltas num manto de negro já de tanta saudade.

Há meia noite ao luar
Vai pelas ruas a cantar o boémio e sonhador.

Era noite de serenata. E capas negras escutavam em silêncio. A solidão parecia ter invadido todas as ruas da cidade e, tenho a certeza, que a terra inteira tinha parado para ouvir a voz dos estudantes.

Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra,
A forma de um coração,
Ai!... A forma de uma guitarra.

O fado soou e as guitarras elevaram-se nos corações de quem as pode sentir. Do mar de negro, alguns rostos com nome, a minha gente. E a saudade, essa que fez das tripas coração para se conter num soluço.

Capa negra de saudade
No momento da partida.
Segredos desta cidade
Levo-os comigo p'ra vida.

E levo em mim guardado o choro que uma balada de saudade me oferece. E levo-o comigo, da forma que só eu o posso levar, ainda que comigo outros carreguem também o seu choro. E levo comigo uma capa velhinha, da cor da noite escura, onde carrego todas as minhas pessoas, todas as minhas alegrias, todas as minhas lágrimas, tudo o que vivi e alguma vez valeu a pena.

As nossas capas rotas, velhinhas
Todas de negro, enchem o ar.
São como andorinhas
Que se preparam para emigrar.

E rasgam-se capas, e dá-se o que me mais valor se carrega nesta vida. Partilha-se o que nos apara as lágrimas da despedida, de já saudade. Rasgam-se capas mas cosem-se corações e vidas com linhas ad eternum. Carregam-se desejos e pesares. Com a certeza de que nunca saberei dizer adeus.

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